A MALA E A CAIXINHA DE MÚSICA
Quando escuto músicas que me acompanham por toda a vida, lembro sempre da mala do meu pai.
Aquela mala geladinha, com cheiro de avião recém pousado, foi por muito tempo a minha caixinha de música.
Meu pai, um comandante da Varig nos tempos em que a aviação era quase uma experiência poética, desde que nasci voava para New York.
Sempre que voltava, trazia a mala repleta de discos, encomendados por um amigo dono de uma boate famosa nos anos 60, e de dentro saíam preciosidades, as bolachas de 45 rpm, aqueles disquinhos com buraco grande que precisavam de adaptador para tocar na vitrola (!!!).
A mala se abria em cima da cama, e aquilo já era pra mim um momento de êxtase, ali estava toda a soul music da Motown, todos os singles recém lançados dos Beatles e Stones, além dos LPs que eram da casa, de Louis Armstrong a Frank Sinatra, e novidades que trazia pra nós porque “o cara da loja disse que era bacana e que os jovens iam gostar”.
E era mesmo, tinha Creedence, Santana e por aí vai.
Mais tarde, entrei no circuito e era eu quem fazia as encomendas, e lá vinha a mala cheia de álbuns de rock e blues da década de 70, envoltos naquele filme fininho transparente que eu abria com a pontinha da unha, para degustar não só a música mas toda a arte gráfica das capas e encartes com as letras.
Às vezes descobria sons aleatoriamente, escolhendo coisas que nem conhecia bem nos catálogos da King Records, a loja da época, e que me traziam surpresas incríveis.
Fora da mala, só a música brasileira, que eu comprava ali mesmo na Copadiscos, na Av. Copacabana, onde todos os dias eu batia um ponto pra ouvir alguma coisa.
Um tempo depois, quando eu já morava em New York, a mala continuava chegando, agora na neve, cheia de Caetanos e Miltons e pedaços de verão pra aquecer a alma gelada.
Mas a mala...que falta ela me faz.
Acima de tudo, que falta me faz o meu pai, o seu sorriso, o seu assovio bem humorado e carinhoso anunciando a chegada da mala, a minha caixinha de música.
#saudades
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